Ontem passou no Doc Lisboa, o documentário "Sereias" de Dina Campos Lopes.A minha cabeça ainda ferve com pensamentos, ideias e contra-reacções sobre o que vi. Não consigo ter uma visão isenta do documentário.
Por um lado, foi bom rever as duas semanas mais atribuladas do ano passado e conhecer o que a tripulação do Borndiep sentiu e passou durante quinze dias a olhar para o mar e para as duas corvetas. Reconheço também que houve momentos que me emocionaram, porque me fizeram reviver todos os sentimentos atribulados daqueles dias. Mas por outro, revolta-me o tremendo falhanço do potencial político que o documentário deveria ter.
A realizadora passou os quinze dias connosco, mais os meses que antecederam todo o processo. Esteve quase sempre presente nas reuniões matinais e sentiu connosco a frustração, o rebuliço, a inquietação de um movimento de voluntários que não sabiam bem o que fazer quando o barco não entrou. Por isso mesmo, não gostei da opção de edificar duas personagens como a essência do que se passou.
Primeiro, porque as Women on Waves navegaram até à Figueira da Foz porque foram convidadas por quatro associações portuguesas. Segundo, porque cai numa visão romanceada do que se passou, ignorando o papel de um conjunto de pessoas, que colectivamente trabalharam (bem ou mal, mais ou menos empenhadas, não isenta de conflitos) para que tudo isto acontecesse.
Dina Lopes diz que preferiu concentrar-se nas histórias individuais. Tudo bem, mas podia faze-lo sem este exagero, sem este ode declarado a duas figuras, que tal como outras, também tiveram o seu papel e o seu contributo. Porque ao edifica-las, exclui todas as outras.
E com isso, a questão que levou a convidar as Women on Waves a virem a Portugal, fica como o Borndiep: fica a 12 milhas da costa e a luta pela despenalização do aborto e as terríveis consequências dos abortos clandestinos em Portugal passam a ser secundárias. Sobretudo, esperava, já que o barco não entrou - mas que mesmo assim criou ondas fortes para se discutir a necessidade de descriminalizar o aborto - que o documentário fosse o tiro certeiro para voltar a agitar a agenda política, para que todos os dias, em todos os noticiários, em todas as conversas, a despenalização do aborto voltasse a ser o assunto do momento, onde ministros e políticos seriam obrigados a reagir, a tomarem decisões efectivas, tal como aconteceu durante os quinze dias em que o Borndiep esperava entrar no porto da Figueira.
2 comentários:
Concordo, também fiquei insatisfeita com o filme. Agora percebo melhor por que retive a impressão que ontem escrevi em doc-log.blogspot.com .
Fico triste... até porque a realizadora também esteve muito envolvida e sabe bem o esforço que houve pela equipa portuguesa.
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