Uma pessoa tenta ser regrada. Deita-se cedo, para acordar cedo. Uma pessoas deita-se cedo, e não consegue dormir. Levanta-se, lê mais um bocadinho, e numa semana acabou de ler os seis livros que andava a ler ao mesmo tempo, nos últimos seis meses. 

Uma pessoa deita-se cedo para ver se acorda a tempo de ir ao ginásio, para compensar o preço absurdo que lhe cobram. Mas não vai, porque o ginásio em vez de acabar com o stress só lhe dá stress. Porque não se consegue realmente acordar mais cedo, porque não se  gosta de ir à hora de almoço (na realidade, continua a ser a hora do acordar, não há nada a fazer), com os executivos dos escritórios a terem conversas sexistas ou terem conversas chatas e desinteressantes sobre vitaminas e qual o peso que acrescentaram ao treino desse dia. Também não se gosta de ir ao fim do dia, aí está toda a gente, e se inesinho não gosta de ginásios, muito menos gosta de multidões. Ainda se tenta, de vez em quando, mudar de repartição. Vai-se ao outro mais perto, mas um bocadinho mais longe, mas não tem janelas, e para escuridão basta o escritório desta casa, e chateia-se porque inesinho apesar de não ser atlética e não ter um ar feliz ao ginasticar, é carne fresca nessa repartição, e é constantemente interrompida pelos tais personal trainners, sempre tão prestáveis, sempre tão aborrecidamente saudáveis e simpáticos, sempre preocupados em saber se está tudo bem. Não há phones que os demova, não há cara de má que os afaste. 

Mas dizia, uma pessoa tenta ser regrada, deitar-se cedo para acordar cedo, ainda ir ao ginásio, para ir em seguida com a tralha toda atrás (eu, o computador, o livro do momento, mais o calhamaço do TOEFL, mais o estojo com as cinquenta canetas de sublinhar que nunca uso) para o gabinete vazio, onde só está uma secretária e o meu cacto, onde não há internet, onde não há telefones, mas há sossego e muita, muita, muita luz, e vista para a casa do nosso primeiro-engenheiro - ou vista para o rio, se estiver de porta aberta - e até se trabalha bastante bem, bem mais dos que estes últimos tempos, e tenta-se criar, enfim, o que se detesta, horários rígidos e planos de trabalho fixos e rigorosos, onde a pausa para café é escrupulosamente cumprida, e até já se arranjou o café, a mesa, e o empregado competente, aquele que já sabe que a bica não é cheia, nem em chávena quente, e tem que ser acompanhada pelo copo de água, pois claro, e já sabe que não, não estou rouca porque estou constipada, "- é mesmo assim, não é?", e pronto, é esse o momento alto do dia, porque finalmente sentei-me e só estou ali para beber o café, sem pensar em quantos capítulos me faltam, sem pensar na conversa com a (des)orientadora, sem pensar nos malditos nove pontos que tenho que subir no TOEFL, sem pensar que dia 1 está-se oficialmente desempregada (o que não é mau pelo alívio de trabalho, mas triste pelo bye-bye autonomia financeira, mas é bem feita, que colhes o que semeaste) e esse momento é interrompido por alguém que nos dá um mini post-it amarelo, dobrado em quatro, e está-se tão estúpidamente na lua com o prazer do cafézinho, que se cora que nem um tomate, por um parvo ter escrito o seu nome e telemóvel e nos passa esses dados, como quem nos dá o Destak na rua. E os empregados do café assistem a tudo isto, fartam-se de rir, talvez, também, porque me tenha saído um pavloviamente sonoro "- Só me saem é duques!", para me explicarem (curioso, como esta cidade anda cheia de homens prestáveis) que aquele ser também trabalha ali por perto, é um habitué, eu é que nunca tinha reparado.

E com isto me fico, apenas para dizer que a rotina não compensa, os horários não compensam, porque quando se decide de antemão a hora light, há maneira de ela ser estragada e se há coisa que não gosto é de ser perturbada no meu momento de alienação, no local de eleição. E talvez tenha sido por isso, ao regressar a casa, tenha ficado incrivelmente pensativa em consultar o Professor Mamadu "Grande Médium Vidente, dotado do Dom Herditário" (não, não, o erro não é meu, está mesmo escrito assim) e pelo sim, pelo não, guardei o cartão que me deram no metro. Nunca se sabe. Porque isto com ginseng, não vai lá. Não vai, não. E ainda que amanhã esteja a pensar também começar a tomar Centrum, acho que nem assim a coisa se compõe.