Cheguei em cima da hora, sem almoçar. Mas a bolseira-agora-sem-bolsa esqueceu-se que quando era bolseira com bolsa as reuniões nunca tinham menos de três horas, portanto, porque raio isso haveria de ter mudado. A reunião era no outro edifício, onde costumava haver uma caixa multibanco, ao lado do bar, como convém. A bolseira-agora-sem-bolsa pensa "- Fixe, como um croquete, bebo um Yop, e estou almoçada”. Mas a máquina multibanco já lá não estava. Se calhar também foi arrancada como a da Moviflor. O senhor do bar não era o senhor Zé, logo, o fiado também não era uma possibilidade. A bolseira-agora-sem-bolsa, sem outro remédio, desce as escadas, seguindo para a reunião. Chega à sala e o único lugar disponível é ao pé da simpática colega do cabelo imaculado, postura direita, e casaco nos ombros. Começa a reunião, não sei antes da aplicação exaustiva do inquérito parideiro (o que em termos académicos significa "- Como vai a tese, quando a discutes"; ah, ah, cambada de optimistas ou cínicos de um raio). E começa-se a discutir o vazio, o nada, o nada do nada, que dá pelo nome de sessões temáticas, sessões plenárias, grupos de discussão ou painéis. E posters e posters, que a simpática colega do cabelo imaculado, postura correcta e casaco nos ombros, até já preparou um. E outro fala de mesas redondas, "- Mas o que é isso da mesa redonda e o que é isso de se ter posters, nunca tínhamos falado disso?!", "- Pois, não é nada disso que vocês estão a falar". "- Mas temos que chamar as coisas pelos nomes! Assim não ME entendo!" diz a simpática colega do cabelo imaculado, postura correcta e casaco nos ombros, já a ficar com a face levemente ruborizada, mas ainda loira resplandecente, cabelo imaculado, postura correcta e casaco nos ombros. E continuam assim uma hora, duas horas, duas hora e meia, já quase nas três, e a bolseira sem bolsa começa a desfalecer de tédio e de fome, muita fome, lembrando-se daquela cena do "Madagascar", quando o leão olha para a sua amiga zebra e para o lémures e eles parecem-lhe pequenos bifinhos suculentos. Dou-me por vencida, olho para a carteira, tenho 65 cêntimos, com mais 1 eurinho pode-se esquecer o croquete, e cometer a extravagância de comer antes uma merenda e o tal do Yop. Aproveitando o momento de finalmente se ter passado para o ponto 1.7 (de 5) da ordem de trabalhos, inesinho, a bolseira subnutrida, sussurra no ouvido da colega mais próxima, a tal da simpática colega do cabelo imaculado, postura direita, e casaco nos ombros, e pergunta-lhe se não pode emprestar um euro, só para ir ao bar lá de cima num instante, voltar num pé e voltar noutro. A simpática colega do cabelo imaculado, postura direita, e casaco nos ombros diz que não pode, porque se me empresta 1€ quando é que eu lhe devolvo, “- É que agora nunca cá estás, e quando é que me vais devolver? É que 1€ ainda é dinheiro, tu não tens noção". Inês, a magrinha, (sim, porque com esta resposta foi-se o resto das calorias, de índice de massa gorda, e o único neurónio que ainda cá andava, ficou algo bêbado com a brusquidão de estímulo nas ondas cerebrais, e acabou por se afogar nas intensidade das mesmas) ficou mudinha, nem se lembrou das variadas vezes que até pagou cafés à simpática colega do cabelo imaculado, postura direita, e casaco nos ombros, sempre de boa vontade, e agiu como a colega do lado, virou-se para a frente e voltou a concentra-se na ordem de trabalhos, com a franja despenteada a tapar-lhe o campo de visão ( o cabelo imaculado para alguns não é possível), com a postura direita mas sem o casaco nos ombros, porque apesar de mudinha e subnutrida, o sentido fashionable manteve-se, e não se optou pelo casaco nos ombros, porque isso é look de professora do ensino secundário, e sim, bolseira-agora-sem-bolsa, sim, professora universitária sem turma, sim, mas look à professora do ensino secundário, isso é que não.
Mas assim é vida, acordasse mais cedo, comesse ao meio-dia, não me esquecesse do passe nem dos livros que tinha que devolver na biblioteca, e que me fizeram voltar para trás, não falasse com os alunos que encontrei no pátio da faculdade, nem cumprimentasse a secretária do Departamento, que afinal, também não me vê há algum tempo, e com quem imagine-se – tal como os alunos – até simpatizo e gosto e trocar uma ou duas palavrinhas, e tivesse ido ao multibanco do Campo Grande, onde poderia comer o croquete e o Yop, sem importunar a simpática colega do cabelo imaculado, postura direita, e casaco nos ombros. Chegaria atrasada, mas pelo menos, não incomodaria a simpática colega do cabelo imaculado, postura direita, e casaco nos ombros. E nós temos que ser uns para os outros, seja lá o que isso queira dizer.
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6 comentários:
P***!!! E tu sabes que eu não digo asneiras... Que nojo... da próxima entras a mascar pastilha, finges que tosses e a pastilha vai parar direitinha ao cabelo imaculado!
eh lá!
isto quase que rivaliza com a descrição do inferno que faz o Dante :)
q idiota nojenta insuportavel, arrghhhh. espero q tenhas comido q nem uma alarve qd terminaste. Ah, e da proxima, come salada com cebola crua e senta-te ao lado dela, para lhe sussurrares mtas e mtas coisas bem coladinha ao seu nariz empertigado ate q ela fique bem , bem enjoada. ;)
C'um caneco!!!!!
Ai, mulher, sabes o que te digo?! Vem mas é para ao pé de mim que aqui as reuniões raramente duram mais de 2 horas e essa moda do casaco nos ombros nunca pegou muito.
Para além disso, o "mercado" marital e a oferta musical são melhores e mais vastos, o que ajuda a distrair a cabeça da raiva e irritação com cabras com a mania de que são espertas! :)
Onde se le:"simpática colega do cabelo imaculado, postura direita, e casaco nos ombros",deve-se ler VACA.
ou entao tb lhe podemos chamar "cabrazana".
Amiga, preciso desesperadamente de descarregar o meu stress. Onde é que eu posso encontrar essa badalhoca??? Será que com uns socos e pontapés mantem o cabelo imaculado, a postura direita, e o casaco nos ombros???
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