Se calhar, tenho tido um percurso inverso da maioria. Ou talvez não, mas no que toca a filhos, ando cada vez menos numa de.
Sempre passei a vida a achar que ia ser mãe de filhos, ter não um, nem dois, mas sim três ou cinco filhos. Talvez porque tenho tantos irmãos. E apesar de eles terem-me infernizado a adolescência, - sim, digam lá se ir para a praia com quatro pirralhos atrás, quando se era adolescente, não era um programão - ter um rancho de filhos era o que eu ia ter quando fosse grande. O serão de praia em família consistia num meticuloso ritual, de levantar com as galinhas, e voltar à noitinha. Era uma hora para fazer as sandes, mais meia para se juntar as toalhas todas, preparar os baldes e as mochilas, e 'bora lá para a praia com dois chapéus de sol, duas geleiras, mais o cesto das toalhas, os vários cremes (ah, sim, somos muitos, com os mesmo genes, mas cada um tem o seu PH e a sua sensibilidade de pele; só a Vera me acompanha na brancura, nos escaldões valentes, mas incrivelmente, mesmo assim, o meu pai consegue liderar o pódio da albinice), alguns pela mão, outro no colo. E passava-se um dia, um Verão inteiro na praia a pôr creme, a comer sandes, a não se poder ir ao banho porque se comeu, a ter que se ir ao banho "porque o teu irmão não pode ir sozinho", a fazer castelos, a ir buscar areia molhada "porque a tua irmã quer fazer uma tartaruga com a forma", e a procurar as formas, as pás e os ancinhos pela areia, "que a tua irmã espalhou por aí", a comer menos uma sandes ou ficar sem o sumo, porque "coitado do Pedro, tinha sede", porque andou a jogar raquetes (e jogar raquetes era talvez a coisa mais chata de todas, porque era sempre atirar uma bola que nunca, mas nunca, era recebida; como não haveria eu de não apanhar escaldões?) Era uma alegria. Mas também tinha as suas vantagens. Quando apareceu o Henrique foi maravilhoso, porque ele comia tudo, e eu não comia nada. Bastavam os progenitores virarem costas e, eu, sempre preocupada com o seu apetite, resolvia dar-lhe todo o meu esparregado; ele ficava contente, eu ficava contente, os progenitores ficavam impressionados porque queriam crer que, finalmente, a sua mais velha deixou de ser esquisitinha e já comia esparregado, ervilhas, ovos, tudo aquilo que não gostava, nem que a vaca tossisse, e nem mesmo cedia quando ouvia "só sais da mesa quando acabares de comer". Foi aí que comecei a ser persistente e dizia "está bem", e era capaz de passar horas sentada à mesa a brincar com a comida, até levar um berro para sair dali, porque já não me podiam ver à frente. Nisso o Henrique proporcionou mais qualidade de vida, porque afinal comecei a ganhar mais horas para mim, outras, que não passadas à mesa. E havia mais vantagens, sobretudo, quando se fazia asneiras, era sempre tão fácil culpar os outros, que por sua vez culpavam o irmão a seguir, e assim sucessivamente, que às tantas só levavam a entidade paternal a desistir, a desesperar, a encolher os ombros, porque nunca havia nada a fazer. Mas, essencialmente, até era divertido sermos muitos e se calhar, era por isso, na minha ingenuidade e faceta Susaninha, achava que uma família feliz é aquela com muitos irmãos, logo, filhos, também têm que ser muitos. Afinal quando os tivesse não era eu que ia fazer as sandes, não era eu que ia tratar das toalhas, dos baldes, dos cremes; isso tudo seria delegado e distribuído por cada filho.
Mas depois começa-se a crescer, a baldar-se às férias escolares em família, a dar-se por outras criancinhas espalhadas por aí, no metro, no autocarro, na rua e nos supermercados, onde há sempre uma Bruna a fazer birra, um João a espernear porque não teve um kinder, um Pedro que quer batatas mas não saiu uma tatuagem temporária das tartarugas ninjas, uma Máaaarisa que quer uma Barbie Cintilante mas recebeu a Barbie Hawai, o Miguel, a Rita, a Sónia, o Hugo, o Vasco, criancinhas por todos os lados que só apetece bater-lhes por correrem desalmadamente, por gritarem quando nos dói a cabeça, por terem ranho no nariz, ou uma cara de enjoados, ou simplesmente por serem feios (sim, porque há crianças feias!). Constato que de ano para ano, o tal cliché do "instinto" maternal é coisa que está cada vez mais adormecida, e nem é por ser bolseira sem condição, ou por ainda não ter encontrado o pai da criança com uma herança genética decente (sim, porque os homens vão e vêem, mas filhos é para aturar por muito mais tempo, portanto, a herança genética tem que ser critério absoluto de selecção), mas, apenas, porque nem todas as crianças são fofinhas, têm bom dormir, bom feitio, amam os seus pais no mater what, e eu não vou para nova, também não melhoro, só pioro, portanto, criancinhas & maternidade não é uma coisa que me atraia muito. Entre fazer a tese e uma criança, ou (o horror, o horror) ter um par de gémeos, por favor, venha lá a tese. E depois há publicitários espalhados por aí, que fazem anúncios destes, que efectivamente comprovam que não é assim tão descabido estes meus entraves à alegria da maternidade.
quarta-feira, maio 07, 2008
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2 comentários:
Sem querer contradizer, uma vez que concordo com quase tudo, a verdade é que depois de cá estarem (esses... os filho(s)) toda a tua vida passa a ser um olhar sobre o horizonte em vez de um olhar para o próprio umbigo... e isso faz toda a difrença, sejam eles 1, 2 3 ou 5 ou 7! Clichés à parte, e de uma pessoa que nunca pensou (nem quis) ter filhos, ser mãe é a melhor coisa do mundo!
hei crid, gostei muito de saber da nossa infância e do novo papel do Henrique na tua vida :D
olha que estou como tu em relação à maternidade
hahahaha
mas isso nao me impede de adorar ter montes de irmãos.
beijo
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