

Sempre que eu tinha um livro debaixo do braço, ele dizia-me "eu publiquei isso, em mil novecentos e troca o passo". Eu na altivez da minha adolescência desprezava o feito, desprezava as capas e o saber. Um misto de desprezo com alguma inveja. Mas depois ouvia as histórias, as histórias de café, as artimanhas e trapaças que fazia para conseguir publicar o que não era permitido. E depois zangava-me, zangava-me muito, como é que ele que publicou isto e podia dizer as coisas que dizia. E discutíamos, discutíamos sempre muito, afinal sessenta e um anos de diferença separavam-nos. E sessenta e um anos de diferença juntavam-nos e éramos duas crianças a fazer disparates quando a minha avó não estava e ainda hoje era assim, ríamos muito, de coisas parvas, e a minha avó mandava-nos comportar. Acho que sempre houve grandes ciumeiras entre nós os três, como se fossemos todos miúdos. Vai-me custar muito voltar aos barbadinhos e sermos só nós as duas. Não tenho saudades nenhumas da gata; como ele, nunca gostei dela. Ela era um bibelot com pêlos. Este era o nosso segredo. Havia outros, há mais. Esses guardo-os comigo. E ele leva com ele uma série deles.