quinta-feira, março 26, 2015

Um pouco de tudo

Washington DC foi uma surpresa. Acabei por passar  grande parte da conferência em reclusão, cheia de gripe, o que não foi necessariamente mau. Foi só pena que o pouco que vi foi mais a atirar para o mau (sim, meninos de Standford, isto é para vocês). No final da semana já estava a sentir-me melhor, e fomos dar umas voltas. O tempo estava verdadeiramente primaveril, sol e quente, o que soube a prenda de anos antecipada. DC é a terra do fato e gravata, ou não fosse o centro político do mundo (Banco Mundial, FMI, e outras grandes grandes organizações mundiais, mais a Casa Branca, o Tesouro, o Pentágono, o Senado, o Tribunal Federal, etc., etc.) A minha ideia de Washington era esta da concentração de poder e da riqueza, de malta empinada engravatada, e da arquitectura falsa romana. Em parte é mesmo assim, mas felizmente é muito mais que isso. A arquitectura surpreendeu, casinhas baixas e coloridas, árvores e parques, e ter toda uma oferta multicultural de que sinto imensa falta. Não é que Minneapolis seja completamente uma bolha desinteressante, mas o leque de escolhas é de uma escala bastante mais pequena, o que ao fim de seis anos de Los Angeles, faz-me sentir um bocado claustrofóbica. Isso e estar mergulhada num inverno profundo há já quase seis meses, onde o ritmo de tudo é bastante lento.

Depois de DC rumámos para NY. Assim que começamos a descer as escadas do metro imundo, e no burburinho de mudar de linha, e todo o típico caos urbano, tenho aquela sensação que sempre tenho quando lá ponho os pés, de como prefiro mil vezes a costa oeste do que a costa este do Estados Unidos. É quase uma reacção física. É engraçado, antes sequer de equacionar vir para os Estados Unidos se me dessem a escolher qual cidade que teria que passar a viver, claro que tinha imediatamente pensado em NY. Los Angeles não fazia parte das minhas escolhas, precisamente porque as duas cidades estão tão fortemente vincadas na cultura popular que achamos que sabemos como realmente são. No ano em que aterrei em Los Angeles achei que efectivamente estava noutro planeta, e que rapidamente teria que fugir. Demorou bastante tempo a descobrir que era muito mais do que aquilo que se considera "tipicamente LA". Não é fácil porque a própria cidade vende e alimenta a própria ideia que se é feliz com a superficialidade hollywoodesca e dos wanna be something, e os turistas caem que nem patinhos nessa construção imaginária de cidade. E por turistas não estou só a  referir-me aos turistas mesmos, mas a todos aqueles que caem de paraquedas na cidade à procura de alguma coisa, sobretudos os alpinistas sociais que efectivamente acreditam que fazer parte da superficialidade é giro, dá sentido à sua existência, mas que ficam perturbados (como se fosse contagioso) quando são brutalmente confrontados com o nível extremo de desigualdade, e por favor, que ninguém ouse apontar-lhes que os níveis de desigualdade da cidade quase sempre passam pela cor da pele, e o tipo de visto que se tem ou não se tem. No fundo LA é uma cidade extremamente desigual mas ao mesmo tempo tanto é adaptável para os seres superficiais que querem cair na narrativa  do "So LA", como é para os intelectuais que de imediato declaram, "I hate LA". Conhecer verdadeiramente uma cidade leva tempo, mas dado a escala e a dimensão angelina, LA leva bastante tempo. Mas se atitude é continuar a acreditar na narrativa da superficialidade oficial, bom, nunca irão saber o que pode existir para além dessa bolha. Escolhas, I guess.

Voltando a NY. Estava frio, ventoso, e dias feios, curiosamente mais do que em Minneapolis. Aliás, na semana que lá estivemos, por aqui  Minneapolis, a neve derreteu por completo, as temperaturas subiram significativamente e num domingo ousou chegar aos 20 graus. Às vezes, acho que saber como está o tempo na cidade onde não me encontro, não ajuda a minha sanidade mental...

Em NY não tinha grandes planos. Eu só queria passear pelo parque, ir à Strand e comer bem, sem pressas, sem stress. Queria desanuviar da prisão de não estar fechada a escrever por uns dias. A minha irmã tinha grandes planos, ir ao MOMA e ficar na fila umas três horas para ver a exposição da Bjork. Eu não estava muito nessa, acho que a minha irmã ficou algo incrédula com o meu desinteresse nessa missão. Percebo, afinal a pobre assistiu ao fim da minha adolescência a delirar com Bjork. (Mas também me ofereceu o catálogo espectacular da exposição, que prefiro mil vezes folhear do que esperar na fila ao frio). Ela também tinha a missão de mostrar NY ao namorado, afinal ela também queria partilhar a cidade dela. E estão numa fase tão apaixonada das suas vidas, que foi bonito ver.

Um dia decidi aventurar-me e fui a Newark. Queria explorar a tal maior comunidade portuguesa da diáspora. Uma experiência, mas devo dizer que foi das coisas que mais gostei de fazer de todas as vezes que estive em NY, pois fiz algo fora do baralho turístico do costume. Em Newark a missão era ir às compras. Já tinha explicado, estou com bastantes saudades gustativas, e em cada cidade americana que moro, nunca há um bairro de portugueses, nem uma mercearia para matar estas gulas. Em Minneapolis, acho que sou mesmo a única portuguesa da cidade.
O primeiro café que entrei em Newark, senti-me em casa. No mau e bom sentido. A carapaça da desconfiança veio logo ao de cima, quando sou atendida por uma senhora bastante antipática, igualmente desconfiada,  a perguntar o que que é eu quero. Lá pedi um pastel de nata e um Compal de pêra. A conversa mudou imediatamente para inglês quando o meu Richard lhe deu o cartão para pagar. Ups, fomos descobertos, não sabe o código, do "pagamentos com cartão só acima de blabla". Não havia dúvidas, território luso sim senhora.
Próxima paragem: pão decente. Desta vez somos atendidos por uma velhinha super simpática, que me tratava por menina, e ainda me fez um desconto nos pasteis para levar.
Deambulámos por mais uns mercados e supermercados, ouve-se música pimba a tocar em lojas de bibelots, com Nossas Senhoras e rádios a pilhas. Há também lojas de penhores, mercado de peixe, drogarias, joalherias, um Montepio, um BPI abandonado, uma casa do Benfica, pois claro, uma escola Luís de Camões, ainda um Liceu com um nome de um escritor que entretanto esqueci, e casas enfeitadas com azulejos com a Nossa Senhora e a bandeira nacional. Não se ouve inglês na rua, só português de Portugal e do Brasil, e espanhol. Mesmo no comércio, o cliente fala espanhol, e eles respondem em português, e lá se entendem. Um bocado como eu e o meu orientador. Também há cervejarias e marisqueiras, mas bastante inflacionadas. No fim, acabei por comprar pouca coisa, uns pacotes de pudim boca-doce, umas sombrinhas Regina, pão e uns croquetes para o jantar. Apanhámos o comboio, comemos as sobrinhas no caminho e voltámos à cidade.

No dia seguinte fazia anos. O Richard deu-me o libro da Kim Gordon, "A girl in a band", que já foi devidamente lido e saboreado. É ainda melhor do que eu pensava, e curiosamente fala de LA, e de NY, e da diferença entre as duas cidades, e como é viver em sítios tão diferentes. Assentou mesmo bem ler este livro durante esta viagem. O resto do dia foi lento e bom. Waffles com morangos, uma passeata pelo Met, happy hour com vinho manhoso, jantar com amigos que não via há muito, num maravilhoso restaurante Cubano. Na manhã seguinte almoço com a mana e o namorado, mais a futura sobrinha na barriga. Mais uma bela refeição, abraços e despedidas, e a sensação que da próxima que nos virmos vou ter a minha sobrinha nos braços.

Voltámos a Minneapolis. Ainda estava meio primaveril quando chegámos, mas na segunda voltou a nevar e quase que chorei de raiva. Mas já me passou. Nevou, é certo, mas já não temos temperaturas insuportáveis, temos 1 e 3 graus. A neve quase que desapareceu, ontem ouvi patos e neste momento tenho pássaros na janela. Talvez seja mesmo sinal que a primavera há de chegar. Ontem também fomos conhecer o bebé do nosso amigo Maurice, que nasceu há poucos dias. Também me sinto mais esperta nas páginas que escrevo, mais inspirada, a pensar que está mais próximo do fim do que alguma vez esteve. Às vezes, a única coisa que precisamos é de uns dias fora de nós para respirar melhor.

3 comentários:

Pedro Serpa disse...

Ena :) que bom ler novas tuas.

Beijinhos *

Paz disse...

eu bem tento comentar mas não consigo

Paz disse...

olha, deu... mas não era isso que eu queria dizer